A vanguarda da sociabilidade

Gazeta do Povo – Abril de 2012 – http://www.gazetadopovo.com.br/cadernog/conteudo.phtml?id=1241819&ch=

 

Caderno G

Segunda-feira, 09/04/2012

G IDEIAS

ENTREVISTA

A vanguarda da sociabilidade

Goura Nataraj, coordenador-geral da Associação de Ciclistas do Alto Iguaçu

Publicado em 07/04/2012 | RAFAEL RODRIGUES COSTA

O mestre em filosofia Jorge Brand, conhecido como Goura Nataraj, é professor de ioga e coordenador-geral da Associação de Ciclistas do Alto Iguaçu. Um dos membros do Coletivo Interlux, Goura discute a ocupação do espaço público como uma questão sempre ligada à política. O movimento pelo uso da bicicleta, por exemplo, é uma dessas novas formas de viver a cidade, enquanto os shopping centers são locais alienantes ao excluírem os pobres e deixarem “ruídos” indesejados do lado de fora. Leia mais na entrevista a seguir.

Você acha que está havendo um reencontro com a sociabilidade e com o espaço público em Curitiba?

Sim. Mas, ao mesmo tempo, há a continuidade de padrões de sociabilidade privados. Ainda vejo o shopping center como o grande símbolo disso tudo. Está havendo cada vez mais gente na rua, mas também nos shoppings e condomínios privados. Você não tem cinemas na rua e outras opções de cultura e lazer disponíveis a não ser que entre nesses templos de consumo.

Mesmo que representem um movimento pequeno diante disso, os últimos fenômenos de ocupação sinalizam alguma mudança de comportamento?

Elas são inegáveis, mas acho que ainda tem muita alienação e falta de conscientização e politização. Tudo bem se fazer um flash mob ou um réveillon fora de época, mas e daí? O impulso da sociabilidade é natural do ser humano. Mas a construção de uma consciência política dessa ocupação do espaço público é minoritária. Acho que há um clamor por recuperar o espaço público. Mas, se você pensar que cada carro estacionado é um bem privado ocupando o espaço público e ninguém diz nada sobre isso, é algo a se pensar.

Quando você fala em “recuperar o espaço público”, fala em reaver um espaço que perdemos?

Acho que sim. Esses fenômenos de alienação são mais frequentes nas últimas décadas. Com certeza as pessoas vivenciavam mais as ruas nas décadas anteriores a esse tipo de fenômeno.

O que acha que está gerando o impulso por essa retomada?

Acho que existe uma insatisfação com esses espaços controlados de prazer, de consumo e de convívio. Os locais livres vão desaparecendo – os espaços de convívio autêntico, de uma troca mais verdadeira, profunda e significativa entre as pessoas. Enquanto a gente não privilegiar esse tipo de troca, a cidade vai caminhando para rumos de adestramento, de controle social. As pessoas param de andar a pé no bairro, param de ir fazer suas necessidades no raio que elas conhecem e dominam. E os espaços vão sendo ocupados pela especulação imobiliária.

Pensar a ocupação do espaço público, mesmo que por motivos de celebração e lazer, sem uma pauta política, ainda assim é falar em termos políticos?

É inseparável. Mesmo que seja por um ideal de celebração, ou vontade de festejar na rua, de buscar festas populares e resgatar esse espírito, isso é política. Esse tipo de anseio exige a participação ativa das pessoas na rua, seja lá para o que for. Já é significativo que isso exista. Mas a gente tem de ter uma visão cada vez mais global da cidade.

O que pensar do réveillon fora de época, por exemplo?

Acho que celebrar o absurdo também tem sua razão (risos). Mas as pessoas poderiam ocupar as praças de uma forma permanente. Talvez um evento como esse pode, na melhor das hipóteses, levar a esse tipo de reflexão: a cidade é livre e nossa, e se constrói no embate de ideias e de práticas. Isso tem de ser fomentado.

Você acredita que esse espírito vai continuar ganhando força?

Espero que sim. O fenômeno da bicicleta na cidade, por exemplo, é uma onda que não tem mais volta, mesmo que não se veja isso como questão prioritária. Esses movimentos são de vanguarda. É a retomada de um outro tipo de convívio urbano. No começo deste século, muita coisa está mudando no mundo inteiro, e é normal que as pessoas se sintam presas nessa zona de conforto. E o shopping center é o símbolo disso. Enquanto a gente constrói outros tipos de rede e pensa no que estamos apoiando com nosso dinheiro, tempo e energia, pensa no tipo de cidade que queremos para nossos filhos e nossos netos. Isso não pode ser encarado como clichê. A cidade do futuro vai ser construída agora.

Livros exercitam a arte de manter o equilíbrio sobre duas rodas

 

 

 

Felipe Fortuna, colunista, JB Online

RIO – Saio por aí pedalando: a bicicleta é meu veículo ideal. Duas rodas que me transportam pelo verão e riscam no solo, sem controle, uma sucessão de símbolos do infinito. Assim passo, vento no rosto, e o corpo a comandar a máquina, finalmente.

Andar de bicicleta é um instante, sempre um instante. Numa curva ou numa reta, descobre-se no tempo aquele dia no qual foi possível manter o equilíbrio pela primeira vez. Aos poucos, deixa-se de prestar atenção nas rodas, no caminho e nos mecanismos – e surge a paisagem, acompanhada de outros ciclistas, como lembra uma balada de Vinicius de Moraes na qual surgem “Enxames de namoradas / Ao sol de Copacabana/ Centauresas transpiradas/ Que o leque do mar abana!”.

Há muito tempo busco o ar livre dos fins de semana. Em Londres, as estações mais quentes vêm acompanhadas de roteiros bem planejados que ensinam a atravessar bosques, beiras de rios, pequenas cidades e vilarejos. Em solidariedade, já me juntei a mais de mil ciclistas e chegamos a Brighton, a Oxford, a Cambridge, com paradas em pubs e interrupções humanistas para socorrer uma bicicleta com pneu furado ou reparar uma correia arrebentada. Em Moscou, cidade com trânsito agressivo e sem cultura ciclística, apenas sigo às margens do rio até o parque da universidade, e ali faço as curvas que me levam ao parque Gorky, de onde, apreensivo, volto para casa.

No Rio de Janeiro é mais simples: a palavra orla, por si, estimula o passeio à bicicleta, como um antigo poema concreto que ainda rola. Novo no velho. Velocidade. Agora se pode pedalar pela cidade com o sistema público de bicicletas, excelente ideia inspirada pelo sistema Vélib, que reinaugurou o ciclismo pelas ruas de Paris. É uma opção a mais, a ser exercida nos dias de calor.

Se chover muito, porém, então fico em casa e uso as férias para ler sobre bicicletas, outra forma de conhecê-las e de comandá-las. Coincidentemente, os livros que guio são todos franceses, embora comentem a paixão generalizada de manter o equilíbrio sobre duas rodas.

Marc Augé acaba de publicar Éloge de la bicyclette (Payot & Rivages, 88 páginas, 11 euros), pequeno manual de prosa poética no qual descobre o óbvio: não se pode falar de bicicleta sem falar de si mesmo e do corpo. A bicicleta impõe “uma nova autonomia” a quem apenas caminha, que se prolonga, como a natação, na memória mais íntima do sujeito – pois, uma vez ciclista, sempre ciclista.

Como se estivesse numa descida suave, gosto muito do trecho no qual Augé relaciona a bicicleta à escrita automática dos surrealistas, ao mesmo tempo em que, sem esbarrar na contradição, também reconhece que o passeio pode ser uma “meditação mais construída, mais elaborada e sistemática” através de lugares selecionados previamente com erudição. Ele sabe, como poucos, que o sonho do ciclista é se sentir na terra como o peixe dentro d’água.

Menos diletante, menos utópico – porém, muito intenso e muito informado – é o livro de Éric Fottorino, de título quase igual ao outro: Petit éloge de la bicyclette (Gallimard, 135 páginas, 2 euros). O autor em apreço vem a ser diretor do diário Le Monde, e equilibra ciclismo e jornalismo. Ele escreve que a bicicleta é “um jogo de criança que dura muito tempo” e, algo melancólico, confessa que a competição, para ele, relaciona-se com a necessidade de “retardar o instante do crepúsculo”. No centro de sua fascinação com o ciclismo está o Tour de France, a mítica disputa criada em 1903. As competições exibem proporções de um épico, com passagens pela vida, pela paixão e pela morte: a ciclovia transformada em via-crúcis. Nesse cenário tonitroante, assume o primeiro plano o belga Eddy Merckx, que ganhou 525 corridas, as mais variadas, ao longo de sua carreira. Tão fominha por vitórias que ganhou o apelido de Canibal. O ciclismo, esporte tão exigente quanto o boxe, atraiu escritores como Dino Buzzati, afinal convencido de que a disputa entre dois corredores tinha a mesma força da luta entre Aquiles e Heitor.

Exausto após a leitura sobre tantos heróis que ultrapassaram os Pirineus e as altitudes alpinas ao longo de mais de 3 mil quilômetros – entre quedas, traições e suspeitas de dopagem – volto a passear de bicicleta com os desenhos de Sempé em Simple question d’équilibre (1977). Ali está um mundo quase sempre solitário, a menos que a pessoa amada esteja na garupa ou na barra dianteira, próxima ao guidom. Um mundo sem tombos e sem palavras, no qual a pessoa apenas se desloca com prazer no espaço e no tempo. É assim mesmo que me sinto, como se fosse um outro: quando me vêem ou me apontam, apenas sinalizo que sigo em frente, um cara estável até prova em contrário.
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Dica da amiga Mariana Sanchez:
http://www.orelhadolivro.com.br

Neve em Berlim

Neve em Berlim

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Da semente que plantamos brotou !!!

A incrível árvore de bicicletas cresceu no Largo da Ordem, com a ajuda de todas as pessoas que doaram suas bicicletas empoeiradas. E agora é o momento da florescência;

– convido a todos para acompanhar esta fase de pura beleza, que vai durar até 6 de janeiro. Os frutos cairão requerendo cuidados, que serão minsitrados na segunda etapa do nosso trabalho, quando as bicicletas serão consertadas.

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