Ossos duro de roer

Matéria publicada na Gazeta do Povo
Enviado por José Carlos Fernandes, 15/03/2011 às 16:22

Hedeson Alves/Gazeta do Povo / André Mendes, Fernando Rosenbaum e Jorge Brand em performance perto do MON: cicloativistas se divertem, mas confessam temer a agressividade dos motoristas
Hedeson Alves/Gazeta do Povo
André Mendes, Fernando Rosenbaum e Jorge Brand em performance perto do MON: cicloativistas se divertem, mas confessam temer a agressividade dos motoristas.

Que tal chamar um ciclista experiente para ajudá-lo a montar trajetos e a vencer as barreiras do trânsito? A ideia não é de todo original – e há mesmo quem já faça personal biker por aí, a exemplo do artista plástico e ciclista Fernando Rosenbaum. Mas não se pode dizer que seja uma prática popular.

 

Primeiro porque a maioria – ou pelo menos assim parece – já pedalou algum dia, de modo que são raros os que não se julgam experts nos segredos do guidão. Em segundo porque, pelo que tudo indica, o brasileiro associa andar de bicicleta a lazer e não a transporte. E lazer dispensa grandes preparos – tênis, shorts, dia livre e garrafinha de água.
São meias verdades. A depender dos bikers mais escolados, a selva urbana pede mesmo dos candidatos à bicicleta uma série de pequenos treinamentos. A cidade, reconhecem, é perigosa e avessa aos veículos de duas rodas. Animosidade, na certa. Resta aos aventureiros que estudem percursos, calculem tempo e saibam onde mora o perigo. Vencidas essas etapas, é preciso se certificar se há onde estacionar as bikes nos pontos escolhidos do trajeto. E derrubar mitos – o da subida, o do suor, o de que não dá.
“Nós andamos de bicicleta por virtude. Não é fácil”, pontua o ciclista Jorge Brand, filósofo, iogue, membro do coletivo Interlux e participante da Bicicletada de Curitiba. Mas não é preciso que seja sempre assim. Embora calejados pelas recusas que o movimento recebe do poder público, os cercas de 200 participantes ativos dos passeios ciclísticos da capital – muitos deles militantes de carteirinha – colecionam pequenas vitórias.
Ainda não há um mapa completo com todos os pontos da cidade em que bicicleta é bem-vinda. Mas eles aumentam um ponto a cada tempo. São bares, restaurantes, algumas escolas e espaços públicos. Poderiam ser mais, houvesse campanhas e uma espécie de opção preferencial pela bicicleta. Para os cicloativistas seria desejável se parte do dinheiro gasto em campanha da prefeitura fosse revertido para cativar a população para as vantagens do modal bicicleta.
O assunto é tenso. Em reportagem publicada pela Gazeta do Povo no último domingo deu para perceber que órgãos como a Urbs e o Ippuc se sentem cobrados demais pelos cicloativistas, nem sempre com justiça. E que os cicloativistas se sentem negligenciados pelos órgãos municipais, aos quais se apresentam como parceiros interessados, criativos e sempre a postos. “Não dá para querer ciclovia na porta de casa”, declarou à reportagem a arquiteta e urbanista Maria Miranda, que coordena um grupo de mobilidade viária do Ippuc, mostrando a temperatura da conversa.
Para Miranda – que aponta os ganhos cicloviários nas revitalizações das ruas Fredolin Wolf e Toaldo Túlio – o processo é mesmo complicado. “O Plano Cicloviário não é plano de obras. É conceitual. A partir dele surgem os projetos que serão realizados com orçamentos futuros. Demora.”
A morosidade pública não é o único alvo de críticas. Empresas e universidades igualmente tardam em aderir aos programas cicloviários. Caso abraçassem essa causa, os bicicletários de empresas e de faculdades poderiam estar apinhados de bicicletas, reduzindo os mais de 20 mil carros que os estudantes universitários colocam nas ruas todos os dias.
De todos esses embates, o bom é que os cicloativistas não ficam só no discurso. A partir desta terça-feira, por exemplo, os participantes do Interlux ocupam o Solar do Barão com a mostra interativa Mob e promovem exposições, palestras e intervenções cujo tema e primeiro plano é a bicicleta. Vale a pena acompanhar.
Além de ser um evento jovem e tomado de energia, as promoções de Interlux e Cia. acabam revelando a quantidade de formadores de opinião engajados nesse debate. Basta pensar na quantidade de artistas e bikers ativos, como André Malinski, o Anilina; Denise Roman, Dulce Osinski e Leila Pugnaloni, os quatro expoentes das artes plásticas no estado.
Entre os pesos-pesados do movimento, vale ainda citar o arquiteto paulista Fábio Duarte, da PUCPR, que enfrenta o trânsito em roda da Católica e as cabeças coroadas de Curitiba em seu trabalho em prol de uma cidade avançada em transporte alternativo.
Em tempo. Ano que vem o Interlux – a quem muito se deve nesse debate – comemora uma década de atividades. Infelizmente, não tem sede mais na Augusto Stresser, a qual o coletivo tinha transformado numa rua libertária. Segundo Brand, o grupo prepara um livro sobre o grupo, que alia arte e militância política. Não é tudo. Em 22 de maio, quando Mob for encerrada, os bicicleteiros vão criar a Associação dos Ciclistas de Curitiba e região Metropolitana.
Já não era sem tempo – com a associação pode se tornar possível ter um banco de dados sobre os ciclistas: quantos são, em que regiões da cidade se concentram e quais as dificuldades que enfrentam, sem ajuda de personal, na cara, coragem e virtude.

Um comentário sobre “Ossos duro de roer

  1. Eveline disse:

    Acho muito legal a conversa sobre a bicicleta, e o engajamento. A bici traz muita história, pois é quase um ser mitológico. Mas, a mitificação da bike deve ser cuidadosa. Acho que os meninos pretendem muito mais que instalar novos mitos. Gosto de pensar que estão defendendo o direito humano à cidade. Adequadamente à isso, sabe-se que a construção da cidade ao pé da letra já deduz, infelizmente à sua própria negação, a cidade é um espaço coletivo, instaurado através de relações pessoais. Carros não mediam relações, pelo contrário. É difícil não ser sentimento quando se trata de bike. É difícil delegar nossa saúde à engravatados, que infelizmente são como velas em um bolo de dinheiro invisível.
    Enquanto isso, apenas o que pode servir de consolo, é não deixar-se abater, e seguir em frente, sem bandeira, com várias na garupa.

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